O filme revela uma realidade pouco explorada, ocorrida na Berlim Oriental de 1984. De fato, a forma como o governo controlava a população parece algo muito distante da realidade que é conhecida por muitos de nós. Não falamos da Alemanha de Hitler, falamos de pouco antes da derrubada do muro de Berlim. Uma história recente, com personagens que ainda estão vivos para contar o que viveram.
A vida daqueles, outros que ele vigia para reprimir, é também e principalmente uma vida pulsante e diferente de tudo que conhece. O ritmo, as cores e o movimento daquelas vidas passam a exercer certo fascínio ao militar, denunciam a pequenez da sua forma de funcionamento até então. A cena na qual ele pede a prostituta para ficar mais um pouco evidencia seu desejo de experimentar o novo. Seu lugar se torna estreito, sem vida, luz ou movimento e a rebelião interna é iniciado. Já não faz mais tanto sentido aqueles princípios que seguia com orgulho, essa vida se tornara opaca. A vida que não pode ser vivida é talvez a que não consiga viver, mas seria necessário tirá-la dos outros? A vida do artista é a arte de uma vida criativa, muito diferente do que supunha ser vida até então. A arte de viver daquelas pessoas afeta e desperta seus sentidos. Já não é possível obedecer sem refletir, já não é mais possível apenas seguir ordens. A experiência abre um pequeno espaço para novas possibilidades, sua competência pode ser ferramenta para novos fins ou inícios. A trama propõe uma reflexão sobre identidade e identificação, sobre individualidade frente ao mundo, sobre diferentes formas de funcionar no mundo. O filme retrata a história da opressão que dita modelo de comportamentos, tentativas explícitas de formatar ou moldar um grupo social aos interesses do poder. A crueldade da proposta nos provoca outras reflexões sobre padrões de comportamento, sobre a sociedade do espetáculo, os reality shows, a ditadura do corpo, a nova forma de nos moldar conforme o interesse do poder. Até que ponto nós respeitamos nossas diferenças, criatividades, nossa arte de viver? O homem bom do filme consegue apenas não corromper o outro, mas sua vida permanece no padrão que o doutrinou. Qual é o padrão vigente na contemporaneidade que pode sufocar minha arte de viver? O filme é um retrato histórico que incomoda bastante.
A trama, porém, concentra-se sobre a atuação da Stasi, a polícia secreta da antiga Alemanha Oriental, a qual mantinha uma política agressiva de espionagem sobre todo e qualquer cidadão passível de representar a mínima ameaça para o regime de partido único. Um “Big Brother” institucionalizado na vida dos Ossis (como eram chamados os moradores da porção leste alemã). Tão institucionalizado a ponto de os próprios alemães orientais desconfiarem de seus vizinhos, familiares, ou de uma possível escuta em casa. Por vias das dúvidas, a fim de evitar problemas com a polícia, melhor fingir, representar na própria vida privada. Feito a casa do BBB. (...) Por intermédio de atuações “underplayed” – isto é, contidas e sutis, um tom abaixo do convencional –, o quadro psicológico de cada personagem vai se configurando lentamente para o espectador. Dessa forma, o que parece ser não corresponde exatamente àquilo que de fato é.
À primeira vista, estamos diante de um escritor inabalável em sua crença nos ideais socialistas, de uma atriz de sucesso, segura e apaixonada, e de um oficial da Stasi, frio e implacável. Num ritmo tenso, sob uma fotografia densa e azulada, cada um dos três vai se modificando, despindo-se mais profundamente. Dreyman, o dramaturgo, torna-se crítico e cético em relação ao sistema; Christa-Maria, a estrela de teatro, frágil e insegura; e Wiesler, o espião, sensível e solidário. (...) O outro fragmento pode ser descrito mais resumidamente: trata-se da primeira seqüência na qual o espectador toma contato com o apartamento asséptico e gelado do Capitão Wiesler. (...) “A Vida dos Outros” tem a grande qualidade de narrar um episódio historicamente datado, conectando-o ao momento atual do mundo econômica e culturalmente globalizado. O fenômeno do totalitarismo alemão-oriental, no qual havia, de fato e de direito, um “grande irmão” que tudo via e escutava, encaixa-se com perfeição no fenômeno da “espetacularização” da vida privada do momento social presente. Ambos são análogos: no primeiro, o estado formalmente autoritário impõe por meios explicitamente violentos a perda da individualidade e, portanto, dos valores de bem e mal; no caso da “sociedade do espetáculo” da atualidade, essa dissipação da individualidade também se dá, só que de forma velada, na medida em que muito da legitimidade social advém do olhar do outro. O carro dos ricos e famosos, as roupas dos artistas, a escova progressiva da atriz de novela, a casa e o quarto fotografados para a revista de celebridades, tudo isso opera como parâmetro de inclusão. E, para se incluir, vale tudo, esquecer ética e valores.
À primeira vista, estamos diante de um escritor inabalável em sua crença nos ideais socialistas, de uma atriz de sucesso, segura e apaixonada, e de um oficial da Stasi, frio e implacável. Num ritmo tenso, sob uma fotografia densa e azulada, cada um dos três vai se modificando, despindo-se mais profundamente. Dreyman, o dramaturgo, torna-se crítico e cético em relação ao sistema; Christa-Maria, a estrela de teatro, frágil e insegura; e Wiesler, o espião, sensível e solidário. (...) O outro fragmento pode ser descrito mais resumidamente: trata-se da primeira seqüência na qual o espectador toma contato com o apartamento asséptico e gelado do Capitão Wiesler. (...) “A Vida dos Outros” tem a grande qualidade de narrar um episódio historicamente datado, conectando-o ao momento atual do mundo econômica e culturalmente globalizado. O fenômeno do totalitarismo alemão-oriental, no qual havia, de fato e de direito, um “grande irmão” que tudo via e escutava, encaixa-se com perfeição no fenômeno da “espetacularização” da vida privada do momento social presente. Ambos são análogos: no primeiro, o estado formalmente autoritário impõe por meios explicitamente violentos a perda da individualidade e, portanto, dos valores de bem e mal; no caso da “sociedade do espetáculo” da atualidade, essa dissipação da individualidade também se dá, só que de forma velada, na medida em que muito da legitimidade social advém do olhar do outro. O carro dos ricos e famosos, as roupas dos artistas, a escova progressiva da atriz de novela, a casa e o quarto fotografados para a revista de celebridades, tudo isso opera como parâmetro de inclusão. E, para se incluir, vale tudo, esquecer ética e valores.
Por: Psicologia&Cinema
Ficha técnica
Título Original: “Das Leben der Anderen”
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 137 minutos
Ano de Lançamento: 2006
Direção: Florian Henckel von Donnersmarck
Roteiro: Florian Henckel von Donnersmarck
Montagem: Patricia Rommel
Produção: Quirin Berg e Max Wiedemann
Música: Stéphane Moucha e Gabriel Yared
Fotografia: Hagen Bogdanski
Direção de Arte: Christiane Rothe
Figurino: Gabriele Binder
Elenco: Martina Gedeck (Christa-Maria Sieland), Ulrich Mühe (Gerd Wiesler), Sebastian Koch (Georg Dreyman), Ulrich Tukur (Anton Grubitz), Thomas Thieme (Ministro Bruno Hempf), Hans-Uwe Bauer (Paul Hauser), Volkmar Kleinert (Albert Jerska), Matthias Brenner (Karl Wallner), Charly Hübner (Udo), Herbert Knaup (Gregor Hessenstein), Marie Gruber (Meineke)
Título Original: “Das Leben der Anderen”
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 137 minutos
Ano de Lançamento: 2006
Direção: Florian Henckel von Donnersmarck
Roteiro: Florian Henckel von Donnersmarck
Montagem: Patricia Rommel
Produção: Quirin Berg e Max Wiedemann
Música: Stéphane Moucha e Gabriel Yared
Fotografia: Hagen Bogdanski
Direção de Arte: Christiane Rothe
Figurino: Gabriele Binder
Elenco: Martina Gedeck (Christa-Maria Sieland), Ulrich Mühe (Gerd Wiesler), Sebastian Koch (Georg Dreyman), Ulrich Tukur (Anton Grubitz), Thomas Thieme (Ministro Bruno Hempf), Hans-Uwe Bauer (Paul Hauser), Volkmar Kleinert (Albert Jerska), Matthias Brenner (Karl Wallner), Charly Hübner (Udo), Herbert Knaup (Gregor Hessenstein), Marie Gruber (Meineke)