A realidade é inatingível, a verdade uma fantasia e a memória uma invenção. O passado também é uma invenção. Sobretudo se esse passado, se essas recordações, vêm da infância. O que foi real e o que não foi? O que lembramos? O que se apagou o que se esconde em alguma parte da nossa mente? Os amores desses anos, por exemplo, são recordados como o momento mais idílico da existência. Nesse lugar utópico, tudo se traduz em pequenos grandes atos de amor, quase épicos. No amor infantil, caminha-se nos locais de mãos dadas com a pessoa amada. Não há camas (ainda), não há quartos que protejam corpos nus (ainda); há corpos andando no espaço, descobrindo o mundo.
No filme Uma Varanda para o Mar (A View of Love), este parece ser o caso das memórias distantes de Marc Palestro (interpretado por Jean Dujardin), um homem feliz no casamento, que trabalha no ramo imobiliário em Aix-en-Provence. Tudo está bem em sua vida (e as recordações são meras lembranças que flutuam no nada), até que um dia, por razões profissionais, se encontra com uma mulher de nome Mondonato. Para Marc ela parece familiar, até que finalmente a reconhece. Ela é Cathy, seu amor da infância, seu amor de Oran, Argélia.
O filme passa nos anos oitenta, mas a história também nos leva a vinte anos atrás, no momento de maior conflito da Argélia, quando o país alcançou sua independência e os franceses tiveram que emigrar. A atriz e diretora Nicole Garcia (nascida em 1946) viveu no país durante sua infância e sabe bem como retratar tudo que aconteceu e suas circunstâncias. Ela, como já disse, nos leva ao passado histórico, recria essa época, mas também nos lança nesta explosão do presente, no turbilhão desta paixão que se rompe entre Marc e Cathy. No entanto, após o momento consumado, ela se mostra distante e desaparece. Marc, desesperado, pergunta à sua mãe (Claudia Cardinale), em busca de memórias mais claras. Sua mãe diz que Cathy morreu muito jovem em um acidente. De repente, o presente e o passado deixam de ter forma. Tudo se mistura, tudo se torna espesso; Marc começa a viver uma profunda apatia e o espectador começa a passear pelas águas de um thriller muito particular, onde a vingança, a corrupção e o desejo entrelaçam tempos, verdades e engenhocas ilusionistas.
Se abandonarmos o passado, o que resta? O que resta de nossas vidas? Sombra, frenesi, ficção, escura e amorfa existência onde a realidade e a verdade são inatingíveis. Ou talvez não, o que acontece é melhor não ver, o que na verdade somos, nessa área onde a intenção de sermos bons humanos é apenas uma formiga pisoteada por uma pata enorme.