AMOUR



O cinema do austríaco Michael Haneke sempre investigou momentos de transição abruptos, optando unicamente por uma ótica realista e perturbadora. Foi assim com o assassinato espontâneo em "Benny's Video", a quebra repentina da tranquilidade em "Caché" ou a visita inesperada dos irmãos Paul e Peter em "Violência Gratuita" (citando apenas alguns poucos exemplos).
Mesmo explorando variados temas humanísticos em suas obras, ele quase sempre tem como foco aquela fração de segundo em que tudo se transforma, que faz da realidade de seus personagens algo que não mais funciona dentro de uma aparente normalidade. Ou seja: Haneke demonstra como as coisas se quebram, e não oferece oportunidade alguma de conserto.


Sendo assim, em "Amor", acompanhamos uma trajetória terrivelmente honesta. Um retrato que pode parecer sórdido e pessimista, mas que se revela um simples fato da vida - algo que é próximo de todos, e o pesadelo de muitos.



Temos como foco desta história o casal de idosos Georges e Anne, que desde o início se mostram diferenciados, especiais talvez (o fato de estarem unidos, mesmo com a idade avançada, já é um mérito a ser celebrado em nossa sociedade de relacionamentos descartáveis). Suas interações e diálogos são inteligentes, ambos demonstram autonomia e total controle de suas vidas. Ela, uma ex-professora de piano, possui vitórias pessoais, como a solidificação dos alicerces de um pupilo que conquistou fama internacional... e por este caminho segue a construção dos personagens. 



Mas em uma noite como outra qualquer, surge então aquela fração de segundos em que tudo muda irremediavelmente. Anne se torna, dolorosamente, uma vítima de sua idade, que lhe ataca com um provável derrame (o roteiro opta por não esclarecer exatamente do que se trata a doença, apesar de certa obviedade). A saúde física e mental da mulher se deteriora de maneira acentuada, e seu marido, dono de uma personalidade possivelmente tida como heroica, assume o cargo moral de ajudá-la da melhor forma que lhe for possível.


Como de costume, a obra de Haneke traz um ritmo lento, incômodo, que através de cenas rotineiras - até mesmo banais - alcança um realismo apurado, algo único de fato. Apesar de flertar com a subjetividade em alguns de seus filmes, em "Amor" o diretor escolhe ser, na maioria do tempo, franco e direto, ofertando uma análise visceral sobre nossa mortalidade, e denotando a falta de opções por uma morte digna em nossa sociedade. No entanto, com a relação dos anciões, que oferece regrados momentos de ternura, a fita exalta a honestidade e respeito de um amor verdadeiro, e todo o companheirismo que lhe é inerente. 



A frieza do filme aproxima a audiência. Sem o acompanhamento de trilha sonora (exceto em poucas cenas em que a música se faz presente no ambiente), vislumbramos a verdade surgir silenciosa, facilmente exposta por olhar, gesto ou palavra arrastada. A entrega da dupla de atores protagonistas, Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva, nos leva a questionar o impacto de tais interpretações em suas próprias vidas. É algo forte e impressionante. 



Em resumo: "Amor" é um filme que deve ser visto. Mesmo expondo um caso específico, ele presta uma nobre função: a de discutir as possibilidades de nosso inevitável fim. Após o arrasador desfecho, é possível perceber que nossa mente simplesmente abandona pensamentos negativos ou problemas transitórios. Um mórbido sentimento de liberdade encontra espaço, e nos mostra que vivemos agora os melhores dias de nossas vidas, independente da maneira que nos sentimos em relação a eles. 

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