O SUBSTITUTO

“E nunca me senti tão profundo e ao mesmo tempo tão alheio de mim e tão presente no mundo." (Camus)


Do diretor Tony Kaye, o mesmo de "A Outra História Americana", nos traz mais uma vez uma trama forte e intensa capaz de gerar grandes discussões. Muito mais do que um importante papel social, mais do que nos fazer refletir sobre a atual situação nas escolas, "O Substituto" nos faz pensar na vida e nas relações que temos com as pessoas ao nosso redor, é, acima de tudo, um relato duro, cruel e realista sobre a complexidade humana.




Conheci este filme por acaso, pesquisando sobre a filmografia de Tony Kaye, no qual nunca compreendi o porquê dele ter sumido mesmo depois de uma obra-prima como "A Outra História Americana", foi quando me deparei com este que estava prestes a ser lançado, até então sem título em português e isso já era 2011. Até que depois de muito tempo, as pessoas começaram a assistir e me recomendaram e foi quando me dei conta que sua passagem pelo Brasil foi praticamente nula, onde a última notícia que tive foi que a obra fora lançada diretamente nas locadoras, o que é uma pena, pois o filme "O Substituto" é um filme raro e obrigatório. 


Henry Bates (Adrien Brody) é o professor substituto que dá nome à obra, sempre optou por nunca se envolver com as pessoas com quem trabalha, inclusive seus alunos, por isso, sempre preferiu ser um indivíduo temporário, que chega do nada e logo vai embora. Sua nova missão é trabalhar ocupando as responsabilidades de outro professor em uma escola pública, lugar onde passa a refletir sobre sua relação com aquele universo alheio a tudo, ao mundo, onde nada lhe toca, nada lhe comove, onde vê alunos totalmente perdidos, jovens indiferentes. É neste mesmo lugar onde Henry se vê cercado por outros profissionais, que no íntimo de cada um, se sentem tão vazios quanto ele, seres tão miseráveis, vivendo numa obrigação contínua, sem razão, apenas pelo costume de viver. Eis que ele se depara com três mulheres que o farão ver sua trajetória de forma diferente, uma professora (Christina Hendricks), uma aluna (Betty Kaye) e principalmente uma jovem garota de programa (Sami Gayle) que passa a abrigar em seu apartamento, resgatando-a de sua vida suja. São elas que farão Henry compreender sua importância e o quanto seu envolvimento pode salvar vidas.



"Temos a responsabilidade de guiar nossos jovens para que eles não terminem se desintegrando. Caindo no esquecimento. Tornando-se insignificante."

Um soco no estômago. É isso o que "O Substituto" é. Poucos filmes tem este milagre da reflexão, não aquela reflexão ingênua de uma bela lição de moral ao final, mas uma reflexão densa, que nos faz questionar. A escola como cenário nunca foi tão melancólica quanto neste filme, que funciona quase como uma extensão do longa-metragem francês "Entre os Muros da Escola". Em tom documental, vemos os relatos de Henry e de outros professores enquanto trabalham numa escola pública, tão abandonada e tão real quanto qualquer escola que já tenhamos frequentado ou lido nos jornais. Tony Kaye denuncia a ruína do sistema educacional, de forma realista, impactante e com uma linguagem universal. Uma dura realidade, que ganha proporções ainda maiores quando são inseridos personagens tão miseráveis, tão distantes de si, sentindo o vazio diário, vazio que vem em resposta de um mundo que não os vê. "O Substituto" é um flagra do ponto limite desta situação, o limite de cada personagem, é como se em cada cena algo gritasse, "este é o mundo em que vivemos", podre, devastado e sem lógica.


"Independentemente do que tenha em mente, digo que há sentimento. Estou sendo honesto comigo mesmo. Sou jovem e estou velho. Tenho sido comprado e vendido tantas vezes. Sou difícil de encarar. Estou sumido. Sou simplesmente como você."

Henry Bates é como aquele homem cansado que vemos diariamente sentado no ônibus, prestes a viver sua rotina vazia, tão presente no mundo, tão distante de si. Se colocado em outro contexto, ele teria potencial para ser um herói, mas no universo em que vive só lhe resta tempo para suas crises existenciais, questionamentos de uma vida que não mais caminha, permanece. Ainda atordoado com seu passado que o impede de ver o futuro com mais clareza, mais esperança. Para transmitir toda essa mente confusa, colocaram Adrien Brody que se entrega ao personagem por inteiro, que comove com cada olhar, cada diálogo, onde tudo se torna ainda mais real quando os sentimentos de Henry passam a ser a sua verdade. O filme ainda nos presenteia com coadjuvantes de ouro, nomes pesados, todos sensacionais: Marcia Gay Harden, Christina Hendricks, Lucy Liu, Blythe Danner, James Caan, Bryan Cranston, Tim Blake Nelson e a novata Betty Kaye, a mais fraca do elenco. Entretanto, a grande surpresa fica para a belíssima e comovente atuação de Sami Gayle,  nova no cinema, mas que certamente tem um futuro promissor, realiza um trabalho admirável.


"O Substituto" já inicia de forma densa, é preciso estar preparado psicologicamente para enfrentar seus minutos. É um filme único, belo, edificante, onde o diretor Tony Kaye se utiliza de uma linguagem poética para debater os problemas sociais e revelar os conflitos existenciais de seus personagens, havendo beleza em cada cena, em cada diálogo, auxiliado por sua constante e emotiva trilha sonora. Um mergulho na alma desses indivíduos, que como consequência, nos faz questionar sobre nossa própria existência. 


"Acreditar deliberadamente em mentiras. (...)'preciso estar linda para ser feliz'; 'preciso de uma cirurgia para ficar bonita'. (...) Trata-se de um holocausto. 24 horas por dia, para o resto de nossas vidas. A energia que movimenta trabalha arduamente no nosso emburrecimento até a morte. Então, para nos defendermos e pelejarmos contra esse processo de emburrecimento de nosso pensamento precisamos aprender a ler, para estimular nossa própria imaginação, cultivar nossa própria consciência, nosso próprio sistema de crenças. Todos nós precisamos desta habilidade para defender e preservar nossas vontades próprias."


"A casa de Usher não é somente um castelo velho e decadente em ruínas, é também um estado de espírito"  

Por Fernando Labanca
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