MR. ROBOT



É raro hoje em dia uma série ser tão promissora desde o seu primeiro episódio. Geralmente grandes produções como Breaking Bad, Game of Thrones, The Good Wife etc. começam – de certa forma – “mornas” e depois vão mostrando a que vieram. Muitas vezes percebemos isso apenas no desenrolar da temporada ou até mesmo nas temporadas seguintes, quando renovadas.
Esse não é o caso de Mr. Robot, produção que marca um realinhamento dramático da emissora norte-americana USA e que apresenta de forma absolutamente inesperada um drama que já nasce forte, pungente e que, no fim das contas, é capaz de entregar tudo aquilo que prometeu e mais. A criação de Sam Esmail em seu primeiro grande trabalho na TV é ambiciosa em termos narrativos, criativos e estéticos.


Desde o primeiro episódio sabemos que estamos diante de algo diferente e potencialmente especial e foi por isso – e pelos “mistérios” apresentados nos capítulos iniciais – que aguardei o desfecho da temporada para poder atestar: esta é indubitavelmente a melhor estreia da summer season. Mr. Robot nos apresenta a Elliot Alderson (Rami Malek), um engenheiro de segurança da informação que trabalha como uma espécie de “hacker do bem” nas horas vagas e que está investido de todas as características de um anti-heroi. De fato, sabemos que existe algo meio offem Elliot já na sua primeira aparição, sendo perseguido por estranhos homens de terno em enquadramentos de câmera pouco usuais. Pela narrativa não linear adotada descobrimos que nós – espectadores – somos uma espécie de “amigo imaginário” do perturbado técnico, em alguns casos funcionando subjetivamente como o narrador auxiliar desta intrincada história e em outros como testemunha ocular dos outros ramos da história.

Também é no primeiro episódio (e notem que todos os capítulos possuem títulos que remetem à tecnologia e até mesmo a arquivos de torrent, como “eps1.0_hellofriend.mov”, “eps.1.1_ones-and-zer0es.mpeg”) que conhecemos a enigmática figura que dá título à série, Mr. Robot. Daí já surgem os indícios de que eles estão, de fato, emulando a dinâmica que ficou registrada emFight Club, já que o alter ego de Elliot é também o idealizador de um plano em escala mundial para hacker o sistema financeiro e “zerar” os débitos e créditos em que se fundamenta a sociedade moderna.

É aí, especificamente, que Mr. Robot se sobressai, ao fazer duras críticas ao capitalismo exacerbado de grandes corporações, trazendo de forma recorrente referências a produções comoThe Matrix, V for Vendetta, 1984 e outras. Não é à toa, aliás, que a maior delas ganha a alcunha de “Evil Corp” na cabeça de Elliot, mas assim é retratada por toda a temporada, já que estamos vendo aquele mundo sob o olhar dele. Mas mesmo incorporando tudo isso, a série consegue criar um produto único e diferenciado, seja pelo viés excessivamente técnico e pragmático doshackers (com a possível consultoria do grupo Anonymous, não confirmada, ou de pelo menos bons especialistas), seja pelos elementos subjetivos que fazem, aqui e ali, com que os episódios brinquem com a realidade, a passagem de tempo etc.


A série ainda traz uma trama complexa a princípio, que vai se desdobrando em camadas que servem não para explicar o que está ocorrendo, mas para ampliar, a cada episódio, esse “presente distópico” criado – e os capítulos que se passam boa parte na mente drogada de Elliot ou àquele em que descobrimos a real natureza “Tyler Durden” do protagonista são dignos de nota. A um porque a série fez questão de tratar essa revelação como meio (não como fim) para desenrolar a segunda metade da temporada, praticamente dizendo ao espectador: “ei, é CLARO, que Mr. Robot era Elliot e vice-versa e sabemos que você percebeu isso”. A dois por trazer inúmeras referências externas, a maior delas na música incidental que coroa o capítulo final.

Mr. Robot ainda é povoada por figuras igualmente interessantes como Tyrell Wellick (Martin Wallström), Angela Moss (Portia Doubleday), o próprio Mr. Robot (Christian Slater) e o enigmático Whiterose (B.D. Wong), que ajudam a imprimir na série um constante senso de imprevisibilidade e surpresa a cada bloco. Irretocável em seus aspectos técnicos – da direção de fotografia à trilha sonora – Mr. Robot é definitivamente uma produção que merece os holofotes e que se destaca por jamais subjugar a inteligência de seu espectador.

Contemporânea, atual (veja como trata a crise na China e até mesmo o vazamento de informações do site Ashley Madison), Mr. Robot encerra seu ano de debute explodindo cabeças com aquela cena pós-créditos que permite a derivação de uma segunda temporada – já confirmada para 2016 – totalmente diferente e mais profunda que a primeira. 

Bruno Carvalho
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...
Blogger Widget