O cinema sempre achou natural abordar o amor como um fenômeno íntimo e interiorizado, traduzido em cenas de paixão, tristeza, remorso, saudades etc. Mas alguns raros filmes decidem transformar todo sentimento em ação, exteriorizando no corpo dos atores e dos personagens a emoção vivida. Ferrugem e Osso, como indica seu título materialista e palpável, é um desses filmes. Não existe uma dor sequer, um pensamento que não seja transmitido, de maneira perversa, ao corpo sofredor dos protagonistas.
A história traz material farto para o martírio: Stéphanie (Marion Cotillard) apanha em uma festa, e poucos dias depois de chegar em casa sangrando, sofre um acidente. Alain (Matthias Schoenaerts) é um homem bruto, que usa seu corpo como instrumento de trabalho: ele acumula o emprego de vigia em uma casa noturna e os bicos em lutas clandestinas. Nos raros momentos em que dá atenção ao filho, o pequeno cai e bate a cabeça com força no chão. Os personagens desta história estão acostumados a sangrar, quebrar, rasgar, mas quase nunca reclamam ou choram.
Esta é a primeira surpresa de Ferrugem e Osso: diante de um forte potencial melodramático, o diretor Jacques Audiard evita de todas as maneiras a comoção do público. Nada de piedade pelos personagens sofredores, nada de cenas de redenção. O filme foi acusado, com razão, de ser frio, de evitar a identificação do público. Audiard parece enxergar na razão e no distanciamento uma opção muito mais nobre do que a catarse do espectador. Por isso, ele recheia sua obra de câmeras na mão, luz natural, cenas longas e atuações contidas. Tudo é feito para obter o máximo de realismo possível.
O projeto é ajudado pelo fato de os atores terem compreendido de maneira exemplar o propósito do cineasta. Cotillard e Schoenaerts, excelentes, imprimem toda a fúria que sentem nas cenas de sexo, de agressão, mas evitam a emotividade assim que a câmera se aproxima de seus rostos. As cenas em que Stéphanie nada pela primeira vez, após a mutilação, ou quando Alain quebra uma espessa camada de gelo com as mãos, são impressionantes pela brutalidade, mas também pelo controle de um diretor que nunca cede aos instrumentos fáceis do cinema – nada de música acelerada ou montagem frenética para aumentar o suspense.
Ferrugem e Osso propõe um cinema bruto, tanto no sentido de “pouco polido”, “pouco concebido para agradar”, quanto no sentido de um filme violento, agressivo, rude. Ao eliminar as emoções e os recursos de imersão, o cineasta conseguiu produzir uma experiência tão truculenta quanto cerebral – uma combinação rara e bem-vinda no cinema de arte contemporâneo.