No fim do século XX, uma nova forma de organização empresarial apareceu. Ao invés de uma empresa ser esquematizada em uma pirâmide, seria como um círculo, onde o "poder" não estava mais na ponta, e sim no centro. E esse poder, essa liderança, não seria tal qual nas unidades burocráticas, aqui, para que as coisas fluam, cada ser da empresa precisa de uma dose de autonomia. As exigências para contratação mudaram drasticamente, não precisam mais de funcionários metódicos, estáticos, e sim de pessoas dinâmicas, criativas, e com um certo desprendimento perante o emprego.
O filme "O Corte", adaptado do romance de Donald E. Westlake, "The Ax"(GRAVAS, Costa. O Corte. Bélgica/ França/ Espanha, Pandora Filmes, 2005. Duração: 122 min) conta a história de um homem chamado Bruno Darvert, uma pessoa bem sucedida que vive com sua família, e tem um ótimo emprego numa fábrica de papel. Até que essa instabilidade é comprometida quando ele é surpreendido com sua demissão após 15 anos de trabalho. O sistema vive uma crise, as palavras Recolocação, Reestruturação, são constantemente repetidas ao longo do filme.
Logo na primeira cena, com menos de 2 minutos de filme, o espectador se vê com a arma de Bruno apontada em sua direção. A mensagem é clara: o alvo é você que é membro dessa sociedade, o alvo poderia ser qualquer um de nós, que estamos desprotegidos dentro do sistema que o filme critica.
O filme, como sendo uma linguagem onde imagens e diálogos passam a mensagem idealizada por seus realizadores, mostra de forma caricata o descartamento do ser humano na sociedade capitalista atual. Estamos na sociedade onde o novo é sempre considerado melhor e é buscado por todos nós.
Como estava 'preso' a um sistema burocrático, Bruno se sentia parte da empresa, mais especificamente, sentia como se sua vida social fosse a empresa, ela estava em primeiro plano na sua vida. Sua busca incessável pelo emprego por todos o meios, não é vista com maus olhos por sua família, pelo contrário, é incentivada. Apesar de ninguém saber dos assassinatos que ele pretendia cometer, seu filho diz aos 8 minutos de filme que vai acabar com o homem que apresenta um comercial da "arcadia', empresa que ele almeja trabalhar, pra que Bruno possa ficar com o emprego.
Ao longo de todo o filme podemos perceber que a atitude de Bruno perante seus concorrentes ao emprego é legitimada pela sociedade "selvagem" onde se encontra. Através de frases pronunciadas pelos personagens como "os fins justificam os meios" ou através de atitudes, de todas as atitudes dos personagens durante a duração do filme, isso fica evidente.
A constante passagem de imagens do corpo feminino, de forma "erótica", sem nem mesmo o rosto das modelos, faz vir a tona um problema efetivamente incrustado na sociedade moderna: O machismo. Marlene, esposa de Bruno, tinha dois empregos e mantinha a renda da família, mas sua posição como chefe de família nunca é assumida, todos preferem torcer para que Bruno volte a trabalhar e assuma esse posto que esta lá, vazio, apenas esperando por ele.
Além de mostrar a comercialização do corpo, mostra a importância da imagem no mundo atual, onde nenhum texto é vinculado para que a mensagem chegue ao publico que pretendia atingir.
Filme inteligente. Uma boa crítica ao mundo cão das corporações e do capitalismo exacerbado. Uma excelente diversão, vale a pena ver, principalmente para os que já estão cansados do maniqueísmo das produções de Hollywood.
Por: Isabel Nobre