Eles são fotógrafos, estilistas, músicos, designers, artistas. A maioria é bem-sucedida. Alguns, como o cantor Devendra Banhart, são celebridades propriamente ditas. Não se vestem do mesmo jeito nem partilham as mesmas crenças, mas, em um ponto, estão unidos: todos escolheram se retirar da corrida maluca e do “ruído cultural” das metrópoles para construir uma vida que mixa, em doses mais generosas, trabalho e prazer.
De preferência em grande estilo, num lugar paradisíaco, hypado e bem escondido. Com você, a geração que está reinventando as aspirações dos anos 60 para o novo milênio: os gypsets.
Se você nunca ouviu falar, não estranhe. Contração de gypsy (cigano, em inglês) e jet set, o grupo de ricos e famosos que fez de viajar a lugares badalados o esporte social nos anos 60, o termo é novo. Quem o cunhou foi a jornalista americana Julia Chaplin, que escreve sobre viagem, moda, design, arte contemporânea e estilo de vida para publicações como Wallpaper, New York Magazine e New York Times.
No livro Gypset Style (ainda sem tradução no Brasil), ela descreve esses “novos nômades” como um grupo sofisticado e desprendido, que acredita mais em casar lazer e criatividade na rotina do que aproveitar folgas em resorts cinco estrelas ou condomínios exclusivos. “Os gypsetters propõem uma solução alternativa para a vida”, diz Julia. Eles integram trabalho e diversão e alternam temporadas em refúgios exóticos com viagens pelo mundo. “O estilo gypset não está centrado no dinheiro, mas no gosto adquirido por quem conhece tanto os prazeres da alta cultura quanto os mais simples.”
Filha de escritor, na infância Julia passou temporadas inteiras viajando de carro com os pais e veraneava em comunidades de artistas. Em Todos Santos, no México, conheceu os primeiros gypsets da sua vida, ainda na infância: um escritor e surfista casado com uma estilista e atriz, que viviam na praia entretendo com jantares exóticos um mix animado de locais e gringos. “Eles pareciam ter dominado a arte da vida perfeita, com trabalho, viagem, criatividade, sofisticação e prazer.” Adulta, ela passou a escrever sobre turismo e gravitou inevitavelmente para “os enclaves onde os gypsetters abundam”.
O espírito de liberdade dos gypsetters, acredita a autora, deve algo aos beatniks, aos mochileiros, aos hippies e até às raves dos anos 90, que fizeram ressurgir o desejo da “viagem” — em vários sentidos — depois da caretice yuppie. Mas deve, principalmente, aos ciganos, com seu gosto pela vida nômade. “Eles são os primeiros freelancers da história.” Aos jet setters, essa nova tribo deve sua maneira sofisticada de explorar o mundo. O termo, criado nos anos 60, designava os bacanas que viviam pulando entre destinos então cotados (Jamaica, Sardenha, St. Tropez), como se a vida fosse “um interminável coquetel pelo mundo”. Hoje, as diferenças são enormes, diz Julia. “Os jet setters viraram um grupo convencional, que segue modas. Os gypsetters acham os luxos que podem ser comprados pouco interessantes.”
No livro Gypset Travel, Julia indica hotspots pouco visados por famosos e lugares rústicos que ainda conseguem manter sua originalidade e charme local, ou seja, exclusividade que um Gypsetter de verdade sempre irá buscar em suas trips...
No livro Gypset Travel, Julia indica hotspots pouco visados por famosos e lugares rústicos que ainda conseguem manter sua originalidade e charme local, ou seja, exclusividade que um Gypsetter de verdade sempre irá buscar em suas trips...
Conheça quem faz parte dessa tribo:
Califórnia
Topanga Canyon, uma área próxima a Malibu, é a nova Riviera cigana. Lá mora Devendra Banhart, o compositor que tem como marca registrada os olhos pintados e os longos cabelos pretos. Por trás de cada detalhe de seu corpo — desde os enormes anéis dos dedos até as pinturas com henna nas mãos — há alguma história de viagem. E quase todas envolvem uma combinação exótica de índios com músicos de países africanos e deuses gregos.
As referências de Banhart são tão distantes, variadas e profundas que em 2005 o New York Times festejava o cantor como um fabuloso transformista (ele frequentemente aparece usando lingerie ou com os olhos pintados). Mas nada disso teria sido possível sem sua criação mais que incomum.
Seus pais eram seguidores de Prem Rawat, um guru-mirim indiano que, aos seis anos, liderou um culto de paz e amor nos Estados Unidos com seis milhões de seguidores, entre eles os pais de Banhart. Quando nasceu, em 1981, o músico foi abençoado por Rawat, que escolheu seu nome (Devendra é um deus hindu).
Depois de estudar uma série de gêneros musicais — sua maior influência foi o tropicalismo, o movimento cultural que teve origem no Brasil nos anos 60 em paralelo com o regime militar — Banhart passou a viajar e a compor antes de lançar suas músicas pelo famoso selo Young God. Os críticos não só o elogiaram como o colocaram no centro da cena de talentos da segunda geração de gypsetters, junto com CocoRosie, Joanna Newsom e Sufjan Stevens.
Península de Yucatán, México
A pequena Valladolid, na península de Yucatán, México, parece o último lugar do mundo onde alguém com uma agenda cosmopolita queira morar. Não fosse o modelo Nicolas Malleville contraiar tal suposição. Criado nos pampas argentinos e dono de uma genética multinacional — tem sangue basco, francês, italiano e austríaco — o modelo é requisitado com frequência para estrelar campanhas de grifes como Gucci e Armani. Ele vai, mas volta sempre para a cidadezinha onde escolheu viver com sua namorada italiana, em um charmoso apartamento de dois quartos. O casal trabalha para expandir o Coqui Coqui (www.coquicoqui.com), que reúne um guest house, um hotel spa, um café e uma perfumaria.
A história do modelo com a península de Yucatán começou meio por acaso em 2001, quando uma amiga o convidou para ir a Cancun. Ele, que já tinha ouvido falar sobre as cidadezinhas cheias de ruínas próximas ao balneário, a fez mudar de ideia. Quando bateu os olhos em Tulum, ficou tão apaixonado que resolveu comprar um terreno com vista para o mar do Caribe, onde construiu sua casa e começou a produzir seus próprios perfumes. Para se dar ao luxo de mantê-la, no entanto, ele transformou a residência em seu charmoso hotel spa — um jeito bem gypset de resolver as coisas.
Formentera, Espanha
Nem a Sardenha, na Itália, ou Hamptons, nos Estados Unidos, refúgios de muitos estilistas famosos, estão na rota Consuelo Castiglione, diretora criativa da Marni. Ela viu na Ilha de Formentera, onde só se chega de ferry boat, o lugar perfeito para literalmente acampar. Embora tenha uma casa na ilha, é sob uma tenda beduína trazida de uma viagem que Consuelo gosta de ficar. Não há ar condicionado, nem mesmo piso, mas sobra na decoração o bom gosto da estilista, que misturou panos coloridos e tapetes felpudos com poltronas dos anos 70.
Consuelo tenta ao máximo estender seu estilo de vida para sua profissão. A Marni, com suas estranhas estampas retrôs, tecidos sofisticados e proporções surreais, nunca ficou marcada por aparecer em celebridades. Assim acabou caindo nas graças do que a autora Julia Chaplin chama de “smart set”. Boa parte da alma da grife vem de olho de gypset da estilista. São referências que estão fora do mundo da moda, mas presentes nos roteiros da estilista. Faz todo sentido que ela tenha escolhido Formentera, onde os mercados e as boutiques vendem vestidinhos indianos e sandálias rasteiras. “Aqui não tem o glamour do salto alto”, diz. “Só areia e sol.”
Quênia e México
A designer de joias deve à sua mãe o seu jeito gypset de viver. Jacqueline Roumeguere-Eberhardt era uma famosa antropóloga francesa nos anos 70, quando tornou-se a sétima esposa de um masai — etnia do Quênia que ainda vive em cabanas feitas de esterco de vaca. Ter sido criada entre a família de seu pai, no Parque Nacional de Masai Mara, deu a Carolyn uma perspectiva de vida bem especial.
Depois de sofrer um acidente com sua caminhonete no parque, a designer decidiu que pilotar um aviãozinho seria mais seguro do que encarar as estradas. Foi quando comprou um Piper, ano 1954, que ela chama de “camelo moderno”. Na compra, ela conheceu Simon Douglas-Dufresne, hoje seu marido e ex-proprietário do avião. Dois filhos depois, a família vive entre o México, a casa de Nairóbi e seus dois charmosos refúgios no Quênia. Um deles foi construído em cima da copa de uma de uma árvore no Great Rift Valley — onde a vista, em dias claros, alcança o Monte Kilimanjaro, o mais alto da África; o outro está no arquipélago de Lamu. Longe do Quênia, a família tem ainda uma fazenda do século 17 comprada em Valladolid, no México — a mesma cidadezinha onde o modelo Nicolas Malleville vive.
Ibiza, Espanha
Ainda na barriga da mãe, a nicaraguense Bianca Perez, Jade já dava suas voltas por St. Tropez, no início da década de 70. Foi na Riviera Francesa que Bianca disse sim ao pedido de Mick Jagger. E lá mesmo eles se casaram, numa cerimônia assistida tanto pelos amigos hippies (e de pés descalços) do casal, quanto pelos da high society.
Na infância, quando não estava em St. Tropez ou Mustique (Caribe), Jade passava o tempo em Nova York, onde brincava de desenhar com Andy Warhol. Hoje, ela tem sua própria linha de joias e ganha um bom dinheiro como designer de interiores. Se não está trabalhando, está em algum ponto do que a autora Julia Chaplin chama de “gypset map”. Pode ser Goa, na Índia, ou Cornwall, praia no sudoeste da Inglaterra. Para fazer sua casa, no entanto, ela escolheu uma finca de 500 anos no lado norte da ilha de Ibiza, a uma distância segura de megaclubes como Pacha. Aos ambientes enfeitados com lamparinas marroquinas, panos indianos e ganeshas, ela ainda arrematou sua própria de pista, onde divide sets com o namorado, o DJ Dan Williams.
Sayulita, México
Na costa do México, quando se vê um colar de couro com pérolas pretas preso ao pescoço ou aos cabelos de uma pessoa, é sinal de que você encontrou alguém do clã da irmãs Mignot. Mais do que uma joia, a peça é um símbolo, como uma tatuagem que identifica quem pertence à turma deAnne, Nathalie, Maria José e Sophie Laurence. Elas foram criadas junto com outros cinco irmãos e durante quase toda a vida foram nômades: ora viajavam com os pais pela Europa, ora pelo Canadá, Caribe ou África.
Em algum momento dessas viagens, a família decidiu comprar um barco, pintá-lo de verde, dourado e vermelho e navegar pelo mundo. Nos dez anos que os Mignot passaram no mar, o clã foi crescendo com a chegada de namorados, namoradas, filhos. De um barco a frota passou para três, formando uma espécie de comunidade náutica de gypsetters.
Em 2003, elas decidiram desembarcar em Sayulita, vila mexicana de pescadores e paraíso de surfistas. Abriram uma boutique e uma pousadinha charmosa, onde a decoração mistura as cores do arquiteto mexicano Luis Barragán a altares de Virgem Maria. “É de matar de vergonha muitos decoradores de hotéis boutique”, diz Julia.
Os quartos são separados não por paredes, mas por divisórias, e não pertencem a ninguém — quem chegar primeiro tem direito à cama. “Foi assim que um dia tive que dividir um sofá com um rapaz bonitinho, que conversou comigo até o dia amanhecer”, diz a autora. Para Julia, esse pode até ser um jeito bem gypset de conhecer gente, mas há algum critério para tentar preservar os hóspedes de saias justa? “Sim, os rapazes tem que ser guapos e devem trazer alegria para cá”, diz Nathalie. “Ah, e se vierem da Itália, que tragam um bom vinho.”
Fonte: http://revistamarieclaire.globo.com/
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