ETERNO AMOR





Durante a Primeira Guerra Mundial muitos soldados suicidavam-se devido ao devastador efeito emocional e físico provocado pela guerra (frio, fome, doenças… todo o horror inerente), enquanto outros se feriam com o intuito de obtenção de um “passaporte” para os hospitais, abandonando desta forma o campo de batalha. Se fosse descoberta tal artimanha por parte dos oficiais, tais soldados seriam condenados à morte.



Jeunet abre este admirável filme (baseado no romance de Sebastian Japrisot) de forma sublime, pegando na graciosidade da sua prévia película (“Le Fabuleux Destin d’ Amélie Poulin”) e aplicando-lhe uma mutação reveladora da sua faceta mais obscura. Cinco soldados resolvem optar pela auto-mutilação para conseguirem livrar-se das agruras da guerra, no entanto os seus relatos sobre a origem de tais ferimentos não se revelam credíveis aos ouvidos dos oficiais e consequentemente são desamparados de forma impiedosa numa “no man’s land” à mercê de um tiroteio qualquer que lhes clamará a vida. Com contornos de “Paths Of Glory” de Stanley Kubrick o filme abre majestosamente com esses cinco soldados franceses numa marcha lenta em direcção ao destino que aguardava os soldados acusados de auto-mutilação: a morte.



Mathilde (Audrey Tautou) ainda em criança conheceu um desses malogrados soldados, Manech (Gaspard Ulliel). A caturrice mútua inicial passou a amizade, e depois floresceu o romance. Mathilde fica privada precocemente do seu amado e recusa acreditar na morte de Manech pois não sente o seu falecimento na sua alma. Depois da guerra Mathilde recebe uma missiva que alude à possibilidade de nem todos os cinco terem morrido em combate. Inicia então a difícil busca pelo paradeiro de Manech. Contrata um detetive privado e investiga também por conta própria contatando com testemunhas e sobreviventes para juntar as peças fragmentadas do puzzle da verdade.


A forma como Jeunet nos apresenta a guerra e seus efeitos, é francamente sagaz. As imagens de combate levam o seu toque pessoal e até a forma de cinematografar o arremesso de granadas encontra um fascinante método com este fabuloso realizador. O filme leva o espectador a questionar-se sobre quais as razões que levam um homem a pegar numa arma sem a intenção de matar mas para se magoar tão seriamente, correndo o risco de ser abandonado à perdição mais que certa num campo de batalha desconhecido.


Em 1991 juntamente com Marc Caro, Jean-Pierre Jeunet presenteava o universo cinematográfico com “Delicatessen”, e posteriormente em 1995 brindava-nos com o prodigioso “La Cité Des Enfants Perdus”. Tratam-se de duas brilhantes comédias negras, engendradas com um impecável primor. Depois de uma experiência menos conseguida com “Alien: Resurrection”, Jeunet regalava com “Le Fabuleux Destin d’Amélie Poulain”, um brilhante filme que conquistou o coração de inúmeras plateias com a sua cativante doçura. Visionar um filme de Jeunet é uma experiência única e praticamente inigualável no cinema atual. Idílicas, expressionistas e sonhadoras, suas imagens são como pinturas repletas de extasiantes cores e paisagens hiper-realistas. O cinematógrafo Bruno Delbonnel dá vida à câmara com imagens onde sentimos uma certa anti-gravidade, capturando imagens onde somos arrebatados bem alto e nos sentimos a flutuar num firmamento encantador. O filme é tão arrebatador que todas estas palavras não lhe fazem qualquer jus. O filme emana uma vitalidade e charme colossais. Isto é realização de mestre, atestada por uma inesgotável e talentosa genialidade onde cada plano é uma obra-prima. Jeunet é um realizador visionário, alguém que nos conta de uma forma ímpar e apaixonada uma épica história de amor, cheia de surpresas que não representam apenas meros twists, mas imagens e momentos jamais visionados e inesquecíveis. O filme é uma experiência visual deslumbrante, onde uma série de deleitosos momentos se sucedem um após o outro para nos inebriarem deliciosamente.

Francisco Mendes

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