THE KNICK - 1ª TEMPORADA

Sextas 21h no MAX 
Houve um tempo, não muito distante, no qual a medicina era uma prática semi artesanal, incipiente e rudimentar, se comparada ao grau de refinamento das técnicas e equipamentos atuais. Uma simples cesárea se constituía num procedimento com razoável grau de mortalidade e doenças hoje erradicadas ou controladas (como a sífilis, a tuberculose e a hanseníase) eram nada menos que verdadeiros flagelos mortais. Os médicos gozavam de um prestígio frequente, que paulatinamente superava a desconfiança da população, afeita às práticas tradicionais e supersticiosas, vindo a consolidar a hegemonia médica e a aura de semideuses que até os dias de hoje os cerca. Apresentar este tempo, ambientando-o numa irreconhecível Nova York (com carruagens no lugar dos taxis amarelinhos): senhoras e senhores, eis o argumento de The Knick.




John Thackery (Clive Owen) é o astro da companhia no The Knickbocker Hospital. Thackery assume o posto de chefe do setor de cirurgia do The Knick. Sua chegada ao topo foi propiciada pelo suicídio de seu antecessor, Dr. Christensen, após repetir um procedimento de parto com placenta prévia doze vezes sem sucesso. O texto procura nos vender Thackery como uma personagem brilhantemente atormentada. Um cirurgião respeitado, em busca de inovações para fazer a medicina avançar em suas frentes na batalha contra a morte (o mal irremediável contra o qual todos os homens têm de tratar. Um homem bem-sucedido profissionalmente, à custa de sua vida e saúde pessoais – Thackery é viciado em cocaína e ópio, as drogas da moda à época, além do constante mal humor e personalidade exigente com seus subordinados.




Method and Madness, portanto, procura exatamente expressar Thackery como alguém para o qual método e loucura não são excludentes, mas andam visceralmente juntos – e como! Sua metódica entrega à busca da perfeição e do sucesso em seu trabalho (basicamente, salvar vidas) não é buscada por nenhuma aspiração humanitária ou ética elevada, senão como o reflexo da mais brilhante faceta de sua personagem obsessiva.




Seu staff é formado pelos jovens doutores Everett Gallinger (seu braço direito, a quem tenta que o Conselho do hospital nomeie vice-chefe da cirurgia) e Bertram Chickering Jr., além da jovem enfermeira Lucy Elkins. A administração do hospital, representada pelo pragmático e moralmente questionável Herman Barrow e pela Srta. Cornelia Robertson (filha do principal benfeitor), também interferirá bastante na rotina de Thackery: já o faz ao impor a contratação do Dr. Algernon Edwards, formado em Harvard, com experiências nas principais academias de medicina de Londres e Paris, mas com um fato indelével estampado na pele – é negro (o que na década de 1900, é um antônimo absoluto para médicos).


Lavoisier que me perdoe, mas The Knick me soou de cara uma bricolagem de diversas fórmulas batidas consagradas: o protagonista respeitado em sua profissão, mas que vive conflitos pessoais (e até abuso de drogas); o rookieque luta contra a desconfiança do ambiente por sua procedência anti-hegemônica; a moça cândida porém esforçada…
Nesse sentido, muito grosso modo, podemos dizer que The Knick bebe em duas grandes fontes: a) o que denomino “escola Mad Men” – para designar a maciça safra de séries históricas que se seguiu ao sucesso de Don Draper & Co. e da qual Masters of Sex seja talvez a mais aludida pela presente série (por causa do ambiente médico, comum a ambas); b) os populares dramas médicos, verdadeira paixão da TV americana.


Fica claro que diante desta “cartografia dramatúrgica” (que não é nada difícil de ser feita por qualquer alma atenta que assistir este piloto), The Knick depende bastante de Mr. Soderbergh para imprimir-lhe um ar original e dar a consistência narrativa que a série precisará para se manter. É bem verdade que The Knick tem uma leve transgressão com relação à fórmula dos dramas médicos – que nem é o fato de contar com um anti-herói [House tá mandando tchauzinho...]: mas sim, a pornografia visual que a série utiliza em seus procedimentos médicos.


Um alerta precisa ser dado. Soderbergh parece disposto a provocar as sensibilidades mais frágeis. De acordo com o piloto da série, podemos esperar muito sangue, muitas vísceras, tomadas longas mostrando as mesmas, aparelhos toscos e grosseiros . Não sou, em absoluto, um espectador pudico, mas confesso que ver cenas de perfuração e corte são meu ponto fraco (sinto aquela dor como se fosse minha). Neste piloto, por duas vezes (a cesárea da primeira cena e a ressecção no intestino do Sr. Gentile) eu precisei pausar e respirar um pouco, para aliviar a aflição. Ao menos, Soderbergh nos poupou da visão da injeção na veia peniana…. =O Porém, temo que esta crueza em mostrar as cirurgias – um ponto original da série – seja um fator que repila uma parcela considerável do público.


Diversos são os fatos chocantes deste episódio, que não nos deixam esquecer de que estamos no início do século XX. O médico fumando durante uma cirurgia. A manivela de drenagem de sangue. A espessura e o comprimento das agulhas de injeção. A quase que absoluta falta de humanização no trato com pacientes. Piadinhas durante a cirurgia. Apesar de tudo isso, diversos são também os fatos familiares com nossos dias. Os problemas envolvendo finanças de hospitais. Propinas para receber pacientes conveniados pelo governo. Suborno para a vigilância sanitária liberar locais insalubres.


No aspecto histórico da trama, The Knick vai bem obrigado e sinaliza que será uma experiência enriquecedora. Entretanto, isto já foi observado em todas as tramas da “escola Mad Men”: correção histórica e edição de arte primorosas não sustentam uma série! O que o faz (como qualquer outra) é roteiro e elenco! Nesse aspecto,The Knick ainda não nos dá elementos para julgar. Precisamos conferir o desempenho do elenco secundário, bem como o grau de aderência que a trama vai nos apresentar.


Method and Madness merece totalmente ser conferido. Amantes do estilo Soderbergh têm um incentivo extra em fazê-lo. Médicos, profissionais de saúde e outros interessados tem uma obrigação moral em fazê-lo, como forma de compreender melhor as raízes históricas do status que a medicina possui hoje e como esta gênese teve episódios nada gloriosos.
P.S.: De todas as personagens secundárias, a que mais me intrigou foi aquela freira!!! Aí tem coisa… Estamos de olho.

Por: Filipe Degani
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